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Pergunta feita por um participante de nossas lives no Facebook sobre atenção focada e aberta, obsessão na prática e a importância de praticar com orientação de alguém mais experiente.

O Fernando está fazendo uma pergunta. Deixa eu ver aqui. Ele falou: Quando comecei a praticar senti uma certa obsessão quanto a ficar monitorando meu estado pensante e a minha consciência. E eu não me sentia eu mesmo, foi uma sensação estranha. Poderia falar sobre?

Fernando, eu já me senti estranha várias vezes também. E às vezes acontece… a gente tem percepções que a gente acha muito estranhas, durante uma sessão de meditação ou uma prática formal de Mindfulness. E às vezes até no dia a dia, depois que a gente ganha uma familiaridade. Então… essa estranheza às vezes eu entendo como um refinamento da atenção focada ou aberta.

Refinamento da atenção

Quando a gente começa a praticar, a gente vai se tornando mais e mais consciente e ciente dos fenômenos internos e dos fenômenos externos, e a nossa atenção vai ficando mais refinada. De repente você se pega ouvindo o batimento do coração, sentindo o pulsar do seu corpo, o pulsar do sangue, etc., ouvindo sons que antes você não ouvia. A capacidade de atenção vai ficando mais e mais sutil.

E aí eu acho bem razoável que a gente tenha estranhamentos, porque até então a gente não estava acostumada com esse nível de atenção. Isso pode trazer estranhamento. Está tudo certo, se você está praticando com orientação de alguém mais experiente, se você está praticando dentro de orientações claras, se você está bem orientado, manda ver. Continua, porque isso faz parte da experiência. É a gente se surpreendendo com a nossa própria capacidade de atenção focada ou aberta.

Surpreender-se consigo mesmo

Agora se entrou uma obsessão, como você falou; uma obsessão de ficar monitorando, eu lembraria a você que a prática, ela é para acontecer sem esforço. Não é uma prática de “deixa eu me esforçar aqui para ficar 100% concentrada”. Não, aí talvez você esteja exigindo um pouco mais, um pouco além. Pode ser ainda mais natural, pode ser ainda mais espontânea. Eu só ficaria bem atenta com essa parte da obsessão que você relatou. Não é pra gente ficar obsessivo; é pra gente ficar mais livre, mais confortável e mais espontâneo. Quanto mais espontaneidade vier, pelo menos na minha experiência, melhor.

Experiência multidimensional

É menos mental, racional, analítico, e mais percebendo uma experiência que é muito complexa, multidimensional e dinâmica.

Que é experiência do seu corpo vivo aqui, agora.

Você comprou um livro, mas não conseguiu terminar… Fernando, eu queria saber se, além do livro, você tem uma pessoa te orientando. Se você já praticou dentro do contexto de um programa de 8 semanas, de um curso de mindfulness, porque aí você vai ter um contato bem próximo com um instrutor, que é uma pessoa que tem experiência não só de prática pessoal, mas experiência de conduzir grupos, de conduzir outras pessoas.

Eu acho que isso pode ser bem importante. A gente na Assertiva nunca encoraja as pessoas a praticarem só a partir da leitura do livro. O livro pode ser um bom apoio, ele pode trazer uma série de informações úteis, mas – principalmente se você está começando a prática do mindfulness, da meditação –, faz toda diferença ter alguém em quem você confia e que pode ir te orientando nesse começo…. Uma conversa mesmo, um acompanhamento, tá?

Daí você fala: “Se eu assistir a uma aula prestando atenção na minha respiração, será que não perderia atenção no conteúdo? ”. Então, esse ponto é interessante. Eu costumo fazer uma metáfora de que a nossa atenção focada ou aberta pode ser modulada.

A atenção pode ser modulada (atenção focada e aberta)

Existem várias frequências de atenção: ela pode ficar uma atenção bem fechada, bem concentrada, e ela pode se expandir, expandir… de repente ela pode se transformar numa atenção super aberta e relaxada. E aí com o mindfulness a gente começa a ganhar essa habilidade de modular a atenção. Então, por exemplo, se eu vou mexer com uma faca para cortar um legume, é bem inteligente que eu modele a minha a minha atenção para estar focada na faca e no meu dedo, para eu não me cortar. Atenção focada. Se eu vou andar numa rua movimentada, é muito bom que eu consiga expandir a minha atenção para estar percebendo os carros, as outras pessoas, e o caos do trânsito. Ok?

Então, se você está assistindo a uma aula você pode, sim, desenvolver mindfulness enquanto está assistindo à aula, mas aí seria uma atenção mais aberta e direcionada para aquilo que você quer. Se você quer prestar atenção no professor e absorver aqueles conhecimentos, fixar aquele conteúdo, então a sua atenção vai estar aberta e direcionada no outro. E quando a gente vai trabalhando a atenção dessa forma, de repente a gente consegue manter uma atenção básica em si, um mindfulness básico de si, e ao mesmo tempo estar atento no outro.

Mindfulness de si e do outro

É o treino que vai trazendo isso. Quem tem filho pequeno é um ótimo exemplo: você tem que estar prestando atenção na criança que está ali, mas também deve estar antenado no panorama geral da praça onde você está, ou praia. Certo?

A nossa mente é incrível, maravilhosa; a gente tem infinitas possibilidades. Mas aí, se você está começando o treino de mindfulness, você vai começar com atenção focada na respiração. Esse é o primeiro passo, é assim que a gente começa. Uma prática mais formal em que você vai tirar alguns minutos por dia para fazer esse treino, e ele naturalmente vai se desdobrando para todos esses exemplos que eu dei.

Deu para te ajudar? Fernando, eu queria realmente saber se você está praticando e se você teve ou tem orientação de alguém. Porque olha como é legal a gente colocar para fora essas dúvidas e inquietações, e nunca desistir diante dessas dúvidas e inquietações, mas de repente fazer pequenos ajustes na nossa prática, para continuar, para ir além. Beleza?

Sabedoria e compaixão

Mais alguém tem uma dúvida, uma contribuição? A Vandreza está falando que as mulheres têm essa habilidade mais desenvolvida. Olha, Vandreza, é, talvez… talvez sim, seja uma questão atrelada ao gênero, à genética, à cultura, à educação…, mas é interessante observar que as mulheres, geralmente, fazem mais coisas ao mesmo tempo. Eu tenho observado isso. E eu também já observei que as mulheres se doam de uma forma que eu não vejo tanto nos homens… Sabe, de pegar umas tarefas meio impossíveis e falar “vou fazer! ”, né? A gente tem essa coisa de se lançar e se doar, e eu acho que isso é bem bacana, mas sabe o que eu tenho percebido? Que às vezes a gente tem que desenvolver o outro lado. É bem como sabedoria e compaixão. Dentro da tradição tem uma imagem de que a sabedoria e a compaixão são as duas pernas.

Sabedoria e compaixão são as duas pernas

Com uma só não dá para andar. Então eu vejo assim: é muito bacana a gente ter esse impulso compassivo de ver uma coisa errada, ou ver alguém precisando de ajuda e querer se lançar para ajudar; esse impulso compassivo. Mas, nesse exemplo, o que seria essa outra perna? É você parar um minuto para olhar para a situação, reconhecer a situação como ela é, perceber… perceber toda a complexidade da situação e de repente até vislumbrar uma ajuda melhor que você poderia dar. Uma ajuda mais eficaz, que talvez gaste menos energia, que seja mais produtiva, talvez envolvendo mais pessoas. Porque se não a gente pode cair naquela síndrome do mártir, que alguém comentou no começo deste bate-papo: a gente quer resolver tudo sozinha, e agora. E aí a gente acaba dando mais do que tem.

Desculpa, eu estou falando muito da minha experiência, né? Lógico, eu só posso falar da minha experiência… Pode ser que a sua seja totalmente diferente. Mas, tirando a questão do gênero de cena essa metáfora da sabedoria e da compaixão é bem poderosa. Então ter esse impulso compassivo de ajudar a eliminar o sofrimento, de resolver as coisas, mas ter o pé no chão, de olhar a situação para ter clareza de qual é a melhor contribuição que a gente pode dar. Bacana, a gente conseguir juntar essas duas habilidades e trazer isso na nossa vida.